Trago aqui a transcrição da entrevista que me foi concedida pela Drª. Maria Dolly Guimarães, advogada, presidente da Federação Paulista dos Movimentos em Defesa da Vida e membro da Associação Nacional Pró-Vida e Pró-Família. A entrevista ocorreu no plenário da Câmara dos Vereadores de Recife, após uma audiência pública sobre o aborto (da qual a Drª. Dolly participou representando o movimento pró-vida), no dia 15 de junho de 2009.

 

Erguei-vos, Senhor: Qual a maior dificuldade do movimento pró-vida hoje: crescer, aparecer ou enfrentar a voracidade da mídia pró-morte?

             Drª. Dolly: Que perguntinha sagaz! (risos). Veja, eu não diria qual a maior dificuldade, mas que enfrentamos dificuldades não resta dúvida. Porque a comunicação é tudo; e, hoje, os meios de comunicação eles estão vendidos para quem pagar mais. E nós não temos dinheiro! Então podemos, sim, falar daquela briga de Davi contra Golias: sem recursos, sem meios. Mas, em contrapartida, nós temos alguém que é maior que tudo e maior que todos, e Esse está do nosso lado e quer a Vida. Quando Deus quer nada pode impedir. Eu vejo que temos, sim, várias dificuldades, mas nenhuma que seja intransponível. Porque, ao mesmo tempo que percebemos que temos dificuldades, vemos que Deus também vai abrindo outras portas: inclusive na mídia! A TV Vanguarda, que é afiliada da Globo, é aberta para nós na questão da vida; o jornal O Vale Paraibano – que é da nossa região do Vale do Paraíba – ele também é aberto pra mim. Eu mando artigos e eles publicam na segunda folha: ao lado do editorial sem cortar uma palavra! Então, Deus vai fazendo surgir as coisas. Quando as pessoas vêem que nós trabalhamos com a verdade, que nós trabalhamos com ideal, e queremos realmente o bem de todos e de todas não há poder que consiga segurar isso. Porque o “outro lado” são funcionários e são pagos: na hora em que pararem de pagar, eles param de trabalhar. Ao passo que nós somos idealistas: nós temos um ideal. E não só para essa vida: temos um ideal de vida eterna, de eternidade. Temos dificuldades, mas nenhuma delas intransponível, nenhuma delas que não possamos superar – desde que a gente trabalhe com verdade, com veracidade, com o máximo de competência sabendo que a batalha é do homem, mas a vitória é de Deus.

 

             Erguei-vos, Senhor: Ao falar de legalização do aborto, pelo menos três aspectos sempre se fazem presentes nas discussões contra os abortistas: o ético, o biológico e o jurídico. Qual deles é mais difícil de combater?

             Drª. Dolly: Nenhum deles. Porque, na argumentação, a defesa da Vida sempre sai vencedora. Porque não há argumento para matar um ser humano, a não ser dizer “somos os donos do mundo e queremos que vocês acabem. Então um jeito de vocês acabarem é estimular o homossexualismo (que não reproduz), é começar a difundir DIU (Dispositivo Intra-Uterino), pílula do dia seguinte e todos os outros meios, inclusive a legalização do aborto”. Quem, vítima de todo este sistema, começa a saber quais os reais objetivos  dessa cultura de morte acabando virando (“a casaca”). Então, eles (os pró-aborto) não têm argumentação. O único argumento difícil de a gente combater é o financeiro. Porque nós não temos dinheiro; temos boa vontade, mas dependemos de ajudas, de doações, etc. Mas, a Providência Divina, também neste aspecto, age. Tanto que estamos aqui, eu e a doutora Gisela, e não precisamos pagar nada do nosso bolso para estar aqui. Na verdade, então, não é nem o ético, nem o jurídico nem o biológico: é o financeiro o aspecto mais difícil de combater.

 

            Erguei-vos, Senhor: Há alguns meses, D. José Cardoso Sobrinho, arcebispo de Olinda e Recife, se posicionou de forma contrária ao aborto no caso de uma garota de 9 anos que, tendo sido vítima de estupro, concebeu gêmeos. A senhora acha que falta, por parte dos bispos católicos, atitudes como a de D. José, que foi publicamente favorável à Vida – ainda que isso lhe tenha custado sossego?

             Drª. Dolly: Eu entendo que nós não podemos nos devorar uns aos outros porque assim nós acabamos. Temos que, de qualquer maneira, promover o diálogo, promover a união. Mas quando você está à frente de uma situação em que uma pessoa está matando a outra, você não pode apenas dialogar; você não pode ficar no blá-blá-blá, você tem que agir. Então, na minha modesta opinião, depois que tudo estava consumado – não havia mais nada para fazer no sentido de salvar a vida desses gêmeos – D. José falou da excomunhão, como um fator muito sério desta questão do aborto. Porque quem está vendido não se deixa vencer por qualquer argumento, e ainda deseja o aborto, tem que saber que está fora da comunhão (não porque D. José tenha decretado), mas em virtude de um cânon do Código de Direito Canônico. Quem é católico está sujeito aquele cânon; e quem não é já está fora mesmo, não precisa saber de nada disso. Eu entendo que os nossos bispos têm que conhecer melhor toda essa batalha entre a cultura da morte e a cultura da vida; conhecer os seus fundamentos, os seus financiamentos e saber que não vai ser apenas com o diálogo que vamos resolver tudo isso. Aqueles bispos que conhecem a fundo o que existe no Brasil, eles se posicionam – de maneira incondicional – alinhados com o Magistério da Igreja na defesa da vida humana.

 

            Erguei-vos, Senhor: Muitos defendem a licitude do aborto em casos que envolvem risco de vida para a mãe. Apesar de todos os avanços da medicina, é possível que tenha que se fazer uma escolha entre a vida do feto e a da mãe?

            Drª. Dolly: Eu vou lhe dar o exemplo de um caso bem recente, ocorrido em São Paulo. Uma moça sofria da síndrome de Einsenmenger. Essa síndrome é caracterizada por uma lesão seriíssima no pulmão e no coração. Quem padece dessa síndrome, não tem no seu corpo nem o sangue venoso nem o arterial: o que ela tem é uma mistura dos dois. A literatura médica fala em expectativa de vida até os 26 anos de idade. Não há, na literatura médica, registro de alguém que tenha sobrevivido a essa síndrome por mais de 26 anos. Essa moça nos procurou, grávida, com dois meses de gestação. Todos os médicos que ela procurava falavam de aborto. A nossa questão para ela foi a seguinte: como fazer o aborto, se o aborto implica num risco acrescentado à mulher de 70% além de um parto? Para você, é melhor fazer um parto que um aborto. A questão toda, como disse a conclusão da CPI do aborto, é que a mortalidade materna depende de uma atenção pré-parto, parto e pós-parto. Com base nisso, nós dissemos a ela, que é de Londrina: venha para o INCOR, o Instituto do Coração, em São Paulo, e nós – junto com o INCOR – te daremos toda assistência médica e cuidado. Vamos salvar não só a sua vida, mas a vida do bebê (que, na época, não sabíamos ser uma menina). Ela veio para o INCOR; começamos a dar uma assistência integral a ela e o marido. Ela chegou até as 32 semanas, uma idade de gestação viável. Fomos diversas vezes ao INCOR, falamos argumentamos, e – depois muitas reuniões com os médicos (que só falavam em antecipação “terapêutica” de parto), chegamos até as 32 semanas de gestação: e nasceu a Gianna Vitória! Linda, sem nenhum “defeito”. O pai e a mãe eram evangélicos, mas através de nós conheceram Santa Gianna Beretta Molla, a santa do “sim à vida”, italiana, com milagre de beatificação e canonização, ambos, aqui no Brasil (um deles pertinho de nós, em Franca). A partir dali pediram a intercessão de Santa Gianna, e nasceu a Gianna Vitória. Então, eu pergunto a você: qual risco de vida justifica a morte de um filho? Nenhum! Nem uma cirurgia cardíaca na gestação. Hoje, é praticamente inexistente (o risco). A não ser em casos últimos, que ficam a critério de uma avaliação médica muito conscienciosa, (que deve se certificar) de que não há outro meio de salvar a vida da mãe. O Código (penal) é de 1940: não havia Raios-X, penicilina, etc. Eu vi só um caso em que, havendo uma lesão muito séria no rim, ou ela (a gestante) fica somente no seu sistema arterial ou realmente morreria. Nesse caso o aborto aconteceu. Mesmo assim eu me questiono se a gente não poderia arranjar uma maneira médica de levar essa gestação até uma idade viável: é o caso da gestação equitópica. Hoje, a gestação equitópica, que se dá nas trompas, pode ser levada até uma idade viável para a mãe e para a criança. Sem morrer ninguém! Pergunto a você: existe, realmente, risco que justifique o aborto “terapêutico” (que de terapêutico não tem nada porque terapia é um bem para uma e para a outra, e não um mal para ambas). No meu entendimento não há.

 

            Erguei-vos, Senhor: A idéia de fazer um referendo para “bater o martelo” com relação à legalização do aborto já foi proposta mais de uma vez. Entretanto, por medo de perder, houve rejeição a essa idéia por parte dos abortistas. A senhora acha, realmente, que o povo brasileiro – com a consciência que tem – seria, nas urnas, maciçamente contrário a legalização do aborto? A vitória pró-vida seria certa?

            Drª. Dolly: Eu entendo assim: a vida de um ser humano nunca pode estar dependendo da opinião de outro ser humano. A vida tem que ser um direito absoluto de cada pessoa que se iniciou. Vida é um direito absoluto! E, como nós sabemos que estamos diante de um poderio econômico muito grande, eu sei que pode haver manipulações: bolsas-famílias, bolsas dos sem-terra, etc., que fariam com a nossa população – ingênua – pudesse ser induzidas ao erro de dizer: “precisamos, sim, legalizar o aborto no Brasil”, embora pensem contrariamente. Então, o que é que nós entendemos? Essa consulta popular não deve acontecer porque não está na mão de nenhum homem a vida de outro homem.

 

            Erguei-vos, Senhor: A respeito do caso da menina Marcela de Jesus, a anencéfala que viveu muito além das expectativas médicas, como argumentar contra as pessoas que dizem tratar-se o caso dela de um ‘fato isolado’?

            Drª. Dolly: Novamente existe uma manipulação do povo. O que acontece com a anencefalia: ela não é uma manifestação do ‘tudo’ ou do ‘nada’. Ela é uma patologia, que tem graus, na qual sempre existe o bulbo cerebral. O bulbo cerebral é responsável pelos movimentos, batimentos cardíacos, pressão arterial, etc. E existe, dependendo do grau da anencefalia (que é a ausência do encéfalo), um relacionamento da criança com o meio, com mãe, etc.; em maior ou menor grau. O que é que nós podemos falar? Ela é incompatível com a vida? Não, não é. Porque, se fosse, já dentro do útero materno ela seria expulsa por um aborto natural, sem que a mãe tivesse responsabilidade, nem vontade, nem ação em favor daquele aborto. A alegação é que ‘é incompatível com a vida e não é humano’. Mas é evidente que é um ser humano: tem toda a carga genética de um ser humano. Pode parecer feio? Pode. Só que a gente conhece a história da coruja: para ela os seus filhos são sempre bonitos, não importa o defeito que tenham; afinal de contas, o valor da vida não está na perfeição, não está em ser amado ou não, não está em ser bonito ou não, não está em ter o olho azul ou preto: o valor da vida está em si mesmo! Existe, sim, uma grande manipulação da população para dizer que (a anencefalia) é incompatível com a vida. É mentira. Se for assim, todos nós somos incompatíveis com a vida: porque todos morreremos! Não sabemos se viveremos um minuto, dois, uma hora, 10 horas, 10anos, 50 anos… Agora vejamos a importância da lição que Marcela (que viveu 1 ano, 8 meses e 20 dias) deu: foi um testemunho – para todo o mundo – do que é esta doença, do que é ser anencéfalo, da capacidade de se doar, de ser amada… Tanto que, enquanto a Marcela esteve viva, a APDF 54 (Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental) ficou parada no Supremo Tribunal Federal. Assim que a Marcela morreu, a ADPF foi retomada.      Veja: ela viveu pouquinho, mas – mesmo que fosse um minuto – se serviu para unir os pais, a família, a comunidade; se serviu para conscientizar a respeito do valor da vida, para conscientizar as pessoas de que esse nosso corpo humano é um pressuposto para aquilo que vamos viver na eternidade, então já valeu a pena. Logo, quando é que a vida vale a pena? Sempre! Não importa o tempo, não importa a condição, não importa nada: a vida sempre vale a pena!

3 Respostas to “Drª Maria Dolly Guimarães”


  1. […] À audiência pública sobre o aborto na Câmara de vereadores de Recife compareceu o blogueiro Gustavo Sousa, na segunda-feira. Na oportunidade ele entrevistou um dos participantes, a presidente da […]

  2. Gonçalo Says:

    Muito boa a entrevista, Gustavo.
    Parabéns e obrigado!


  3. […] – O Gustavo esteve ontem comigo na audiência pública sobre o aborto da Câmara dos Vereadores de Recife. E aproveitou para entrevistar a dra. Dolly. Recomendo a leitura da entrevista. […]

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