Fonte: Dominus Est. Schneider, Athanasius. p. 24-26. 28.
Consciente da grandeza e importância do momento da Sagrada Comunhão, a Igreja, na sua bimilenária tradição, tem procurado encontrar uma expressão ritual que pudesse testemunhar, do modo mais perfeito possível, a sua fé, o seu amor e o seu respeito. Isto mesmo se tem unificado quando, na esteira de um desenvolvimento orgânico, pelo menos a partir do século VI, a Igreja começou a adoptar a modalidade de distribuir as sagradas espécies eucarísticas directamente na boca. Assim o testemunham: a biografia do Papa Gregório Magno (pontífice nos anos 590-604) (1) e uma indicação do mesmo Papa (2). O sínodo de Córdova do ano 839 condenou a seita dos chamados “casiani”, por causa da sua recusa de receber a sagrada Comunhão directamente na boca (3). Depois, o sínodo de Rouen, no ano 878, confirmava a norma vigente da distribuição do Corpo do Senhor na língua, ameaçando os ministros sagrados de suspensão do seu cargo, se tivessem distribuído aos leigos a Sagrada Comunhão na mão (4).
No Ocidente, o gesto de prostrar-se e ajoelhar-se, antes de receber o Corpo do Senhor, observa-se nos ambientes monásticos, já a partir do século VI (por exemplo, nos mosteiros de São Columbano) (5). Mais tarde, nos séculos X e XI, este gesto divulgou-se ainda mais (6).
No fim da era patrística, a prática de receber a Sagrada Comunhão directamente na boca passa a ser por isso uma prática já difundida e quase universal. Este desenvolvimento orgânico pode considerar-se como um fruto da espiritualidade e da devoção eucarística do tempo dos Padres da Igreja. De facto, há várias exortações dos Padres da Igreja sobre a máxima veneração e cuidado para com o Corpo eucarístico do Senhor, particularmente a propósito dos fragmentos do pão consagrado. Quando se começou a notar que já não existiam as condições em que se podiam garantir as exigências do respeito e do carácter altamente sagrado do pão eucarístico, a Igreja, quer no Ocidente quer no Oriente, num admirável consenso e quase instintivamente apercebeu-se da urgência de distribuir a Sagrada Comunhão aos leigos apenas na boca.
O conhecido liturgista J.A.Jungmann explicava que, por causa da distribuição da Comunhão directamente na boca, se eliminaram várias preocupações: que os fiéis devem ter as mãos lavadas, a preocupação ainda mais grave para que nenhum fragmento do pão consagrado se perca, a necessidade de purificar as palmas das mãos, depois da recepção do sacramento. O pano de Comunhão e, mais tarde, a bandeja da Comunhão serão uma bem clara expressão de um cada vez maior cuidado a respeito do sacramento eucarístico (7).
Para este desenvolvimento contribuiu igualmente um crescente aprofundamento da fé na presença real, que se exprimiu no Ocidente, por exemplo, na prática da adoração do Santíssimo sacramento solenemente exposto.
É possível supor que Cristo, durante a ùltima Ceia, tenha dado o pão a cada Apóstolo directamente na boca, e não apenas a Judas Iscariotes (Jo 13, 26-27). De facto, existia uma tradicional prática, no ambiente do Médio Oriente, no tempo de Jesus, e que dura ainda nos nossos dias: o chefe da casa alimenta os seus hóspedes com a sua própria mão, metendo um pedaço simbólico de alimento na boca dos hóspedes.
Uma outra consideração bíblica é fornecida pelo relato da vocação de Ezequiel. Ezequiel recebeu a palavra de Deus simbolicamente, directamente na boca: “Abre a boca e come o que Eu te vou dar. Olhei e vi que uma mão se estendia para mim, a qual segurava um manuscrito enrolado… Abri a boca e fez-mo engolir. Comi-o, pois, e na minha boca era doce como o mel” (Ez 2, 8-9; 3, 2-3).
(1) Cf. Vita s. Gregorii, PL 75, 103.
(2) Na sua obra Dialoghi III (PL 77, 224) o Papa Gregório Magno conta como o Papa Agapito (535-536) tinha distribuido a Sagrada Comunhão na boca.
(3) Cf. JUNGMANN J.A., Missarum sollemnia. Eine Genetische Erklarung der romischen Messe, Wien 1948, II, p. 463, n. 52. 25
(4) Cf. CF. MANSI X, 1199-1200.
(5) Cf. Regula coenobialis, 9.
(6) Cf. JUNGMANN, ibid., pp. 456-457; p. 458, n. 25. 26