O trabalho de um jornalista está causando polêmica na França: Laurent Richard, chefe de redação de um programa de TV chamado “Les Infliltrés” [em português: “Os Infiltrados”], usou fakes [personagens virtuais-fictícios] para atrair pedófilos e viciados em pornografia. Com essa tática, Richard matou dois coelhos em uma única caixa d’água [ou será dois coelhos com uma cajadada só? Sei lá!]: conseguiu compor uma matéria interessante e realista sobre pedofilia e pornografia, bem como colaborou com a prisão de 22 pessoas supostamente envolvidas com esse tipo de prática. A jornalista Daniela Fernandes, correspondente da BBC Brasil, escreveu uma matéria apresentando a discussão que está de desenvolvendo nos meios jornalísticos acerca da conduta de Laurent [recomendo que se leia a matéria da BBC antes de prosseguir com a leitura destas minhas divagações…]. É um velho dilema ético: em que circunstâncias se pode quebrar o sigilo das fontes sem estar indo contra os princípios éticos profissionais do jornalismo?
Acaso se separa o “cidadão” do “jornalista”? A discussão é interessante. Fazendo um paralelo com outra área – que não a de comunicação – sabe-se que no Brasil, por exemplo, o princípio da inércia do judiciário impede que um juiz saia por aí sentenciando sobres situações e coisas que não foi instado a julgar. Em outras palavras [mais técnicas], o juiz deve ser “provocado” antes de ser pronunciar. Partindo disso, alguém poderia alegar: “se o juiz – mesmo diante de um erro flagrante e evidente – não pode atuar sem antes ter sido ‘provocado’, então é como se, para exercer com isenção a sua autoridade de julgar, ele ‘abdicasse’ de seu dever cívico de denunciar o crime”. Assim sendo, poder-se-ia dizer ainda que criaram uma espécie “omissão justificada” aplicável exclusivamente aos magistrados? Ou será que eles exercem os seus deveres cívicos a seu modo? Será que o jornalista deve proceder de forma semelhante à do magistrado para tentar alcançar a quimérica imparcialidade? Bom, são divagações. Na verdade, não tenho resposta nem opinião formada para nenhum destes questionamentos. Que se pronunciem os excelentíssimos juristas – e amantes do Direito – leitores deste blog!
Um fato, digamos, “inovador” que emerge do caso do jornalista francês em questão é que ele se interessou por investigar a pedofilia “em geral”, isto é, ele não se restringiu a descobrir e delatar pedófilos no seio do clero católico. A visão dele ampliou-se para além dos muros eclesiásticos. Infelizmente há muitos jornalistas concentrados em trabalhar a divulgação dos erros de *alguns* sacerdotes católicos. Ora, a pedofilia é algo escandaloso de per si! Quem quer que cometa esse pecado [crime, para a lei civil] – seja sacerdote ou não – está ferindo gravemente a Lei de Deus e, portanto, merece ser punido pela lei dos homens enquanto aguarda a justiça de Deus. Evidentemente o padre, por força de seu compromisso para com a vida celibatária, acaba cometendo um pecado a mais: o de sacrilégio. O corpo de alguém consagrado a Deus goza de maior sacralidade que o corpo de um não-consagrado. Logo, de certo modo, ele “profana” o próprio corpo quando comete um ato homossexual ou de pedofilia. Mas essa análise de gravidade é uma questão estritamente religiosa – pertencente à esfera da Moral Católica. A imprensa não está nem aí para isso. Ora, então como se justifica que a mídia dê tanta ênfase aos casos de pederastia [e afins] por parte de padres? A meu ver, só uma resposta satisfaz esse questionamento: a finalidade não é denunciar um indivíduo, mas sim colocar em descrédito toda a instituição [a Igreja]. E pondo a sociedade contra a Igreja tenta-se, embalde, afundá-la.
Voltando a discussão jurídica sobre a matéria do jornalista Laurent Richard: penso que esse é um ponto controverso em termos de lei positiva. Mas será que, sob a ótica da Moral e da Lei Natural, se encontra algum argumento que possa dissolver o dilema ético que envolve a proteção do sigilo das fontes?
Um outro detalhe: a finalidade da matéria foi apenas divulgar a existência de pedófilos que usam a internet como um de seus tentáculos para aliciar e capturar vítimas? Ou terá sido dar o ponta-pé inicial numa investigação aberta ao público? Eu, sinceramente, deploro a atitude de um jornalista que quer “divulgar por divulgar”. Ora, ninguém precisa de uma matéria no jornal ou na televisão para saber que abusos sexuais existem e se propagam valendo-se da engenhosidade dos criminosos e das facilidades que os recursos tecnológicos proporcionam!
O jornalista, diferentemente de um sacerdote confessor, não está obrigado – por direito divino – a guardar segredo. O sigilo das fontes, penso eu, é matéria exclusiva do direito positivo. Não há – eu pelo menos não enxergo – nenhum respaldo desse sigilo no Direito Natural. Logo, resguardar em segredo a identidade de quem forneceu informações trata-se de um “acordo de cavalheiros”. Pergunto: é lícito manter um acordo [tácito] desses quando o cavalheiro com quem se trata é um canalha, pedófilo, viciado em pornografia e criminoso contumaz? Filosofem e comentem. Vou dormir. Afinal, são duas horas da manhã!
A propósito, leia-se:
O artigo do Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho comentando os lamentáveis equívocos que a imprensa tem gerado – e fomentado – ao tratar de maneira leviana as notícias que envolvem abusos de ordem sexual cometidos por homens da Igreja.
A declaração do Cardeal Tarcísio Bertone que, em visita oficial ao Chile, reiterou energicamente que nem ele nem o Papa encobriram abusos.
Os comentários de um escritor [judeu, diga-se de passagem] sobre a campanha difamatória – orquestradamente perpetrada pela mídia – contra o Santo Padre e a Igreja.
abril 7, 2010 at 12:21 pm
Caro Gustavo,
Sobre a inércia do juiz, esta não deixa de ser uma garantia à liberdade do indivíduo e uma forma de manter a imparcialidade do juiz. Como fica a situação de um juiz julgar o crime que ele mesmo denunciou? Mas isso não significa que , ao ter notícia de um crime, que enseje violação de interesse público, o papel do juiz seja o de mero expectador inerte. Deve ao contrário comunicar ao Ministério Público, responsável pelas investigações e pela denúncia, para que este sim tome as providencias que entender cabíveis, seja propor ação penal ou arquivar o inquérito, se entender que não há indícios suficientes de autoria ou materialidade do delito.
Quanto ao sigilo das fontes, ele é uma garantia aos jornalistas e não uma proibição. O jornalista pode revelar as suas fontes sempre que quiser, o que não se pode é exigir que ele o faça. Assim, a proibição não se dirige aos jornalistas – como a do sigilo de confissão se dirige aos sacerdotes – mas aos demais, posto que nenhuma autoridade nem nenhum cidadão poderá exigir a revelação da fonte se o profissional não o quiser fazer.
Cordialmente,
Adriana
abril 7, 2010 at 1:23 pm
Com relação à atitude do repórter, é necessário saber se a lei daquele país protege a confidencialidade das fontes como um direito ou como um dever do jornalista.
No primeiro caso – direito – essa confidencialidade tem o condão de evitar que o jornalista seja processado por não divulgar a fonte, agindo dentro da lei que protege o exercício de sua profissão. Entretanto, não haveria qualquer proibição (e, consequentemente, sanção)em permitir o conhecimento das fontes pela polícia.
No segundo caso, dever, o jornalista estaria proibido de divulgar. É uma situação que pode ser comprada com a confidencialidade do advogado/cliente e do médico/paciente e mal-comparada com o sigilo da confissão sacramental, com, no mínimo, as claras distinções que você indicou no seu artigo.
abril 8, 2010 at 11:56 am
Os outros comentários já esclarecem quanto ao sigilo da fonte no jornalismo.
Quanto à cobertura que a mídia tem dado aos casos de pedofilia na Igreja Católica não vejo nenhuma atitude antiética dos profissionais. Pelo contrário, noticiam de acordo os fatos aparecem. Isso se chama jornalismo investigativo.
Se a Igreja não quer manchar-se com esse tipo de notícia, então mude sua postura. Assuma seus erros e aprendar a ser a primeira a divulgar informações e não esperar que os fatos tomem o efeito bola de neve. É simples.
Não existe nenhum conluio da mídia contra a Igreja. Ela apenas continua investigando os casos de pedofilia e questionando a postura da Igreja que supostamente sabia dos casos e nenhum tomou nenhuma atitude enérgica. Existem outros fatores que levam a essa cobertura maciça, explicados pelas Teorias do Jornalismo. Leia Nelson Traquina que você entenderá.
abril 10, 2010 at 12:32 pm
Cara Gisele,
Eu discordo de você quanto à atitude supostamente ética da mídia com relação a divulgação dos casos de pedofilia do seio da Igreja Católica. Acho que a seletividade com que são publicadas as notícias a este respeito revela extrema parcialidade, falta de compreensão do Direito [não apenas o Canônico, mas o Natural], proliferação maliciosa de um entendimento equivocado segundo o qual o Santo Padre e os bispos são culpados pelo pecado de maus sacerdotes.
A questão também não é “assumir os erros”, simplesmente. A esse respeito é oportuno comentar dois pontos:
1 – A Igreja não peca. Pecam os seus membros. E ela pede perdão em nome deles.
2 – A Igreja nunca deixou de admitir as falhas e defeitos dos HOMENS que a servem. Apenas é inviável que a cada vez que se recebe uma denúncia contra um sacerdote o papa e os bispo marquem uma coletiva de imprensa para tornar público algo que, pelos princípios mais basilares da justiça, deve ser investigado em segredo. A Igreja é autônoma para deliberar sobre os assuntos correlatos ao clero. O padre que é denunciado goza do princípio da presunção de inocência e tem, ainda, o direito à honra e à imagem bem como o direito à ampla defesa. Deu para entender que a coisa não é tão superficial como você – e a imprensa como um todo – colocam?
Ademais, você diz não haver nenhum conluio da mídia contra a Igreja. Ok. Admitamos que não haja. Agora me responda o seguinte:
1 – A MAIORIA ESMAGADORA dos casos de abuso sexual ocorre dentro de famílias. Pais que molestam filhas, padrastos que molestam enteadas. Por que a imprensa se restringe a investigação e divulgação das ocorrências entre sacerdotes católicos e, em contrapartida, faz vista grossa a essa maioria?
2 – Pastores protestantes, umbandistas, monges budistas já foram autores crimes [pecados] dessa natureza. Por que a imprensa não focou na divulgação desses casos?
3 – Por que, jamais, jornalista algum fez uma matéria entrevistando reitores experientes que já expulsaram do seminário rapazes com tendência homossexuais?
4 – Por que a Congregação para a Doutrina da Fé – responsável em última instância pela investigação dos casos de abuso sexual – jamais foi ouvida quanto aos números e às providência relacionadas ao tratamento destes casos por parte da Igreja?
Bem, é só para você refletir… Deu para entender que a coisa não é tão superficial como você – e a imprensa como um todo – colocam?
Vou seguir seu conselho e ler Nelson Traquina. Mas – que fique bem claro – o minha visão acerca da cobertura que a mídia vem dando aos casos de pedofilia nada tem a ver com a teoria do jornalismo e sim com a malícia de alguns profissionais.
Abraço, Gustavo Souza
Autor deste blog